domingo, 10 de outubro de 2010

Novas vias no Baú.










Antes mal acompanhado, que bem só.
Completei 30 litros de água e ainda teria que trazer mais 60 litros. Sentei no meu banco de pedra e fiquei olhando o amontoado de tralhas que eu havia transportado em cinco viagens para passar quase um mês no Baú sozinho, não era a toa que eu estava me sentindo “amassado”. Nesses dias o sol estava “pegando”, as bicas tinham pouca água, não tinha nuvens, e a “sêca” transformou o Baú, num forno. A luz do dia, a cor do sol tornava o calor, violento. Acordava cedo para escalar e tinha que sair do sol ao meio dia, pois ficava realmente quente e quando continuava escalando, tinha que me proteger de todas as maneiras para agüentar o calor, que realmente estava estranho. Anoitecia e o calor permanecia na rocha por horas.

A noite eu me recolhia no meu canto, com meus confortos resumidos e enquanto cozinhava, me hidratava com cuidado e pensava um pouco sobre o dia de hoje e o de amanha como seria, que tipo de situação eu iria me meter. Após jantar eu tomava meu café noturno e nas maiorias das vezes eu ficava até tarde olhando a noite, as vezes esperava pela lua na madrugada, as vezes jantava e ia direto pro saco de dormir e as vezes eu dormia por 12 horas ...meu corpo se recusava a sair do saco de dormir para passar desconfortos. Desci uma vez por semana para tomar banho e comer de verdade.

Raras são as pessoas que eu conheço que se propõem há passar vários dias, sozinho, sem falar com ninguém, longe da geladeira, celular, computador e TV. Garanto a vocês que é uma experiência relevante. Minha primeira solitária eu tinha 15 anos e passei três dias caminhando, numa trilha chamada ”Noroeste”, no Conjunto do Marumbi, no Paraná. Nunca esqueci o cagaço que eu tinha quando a noite caia e eu ia para a barraca armado de um facão esperando pelo pior.
Ficar só, acompanhado do que voce mesmo, a mercê de seu cérebro, pode resultar numa experiência única. Dar oportunidade para que seu cérebro e sua alma se manifestem de forma verdadeira, pode não ser uma situação confortável para algumas pessoas e outras, procuram esses momentos para entender a existência e suas nuances, a morte, as prestações, a vida prá levar, o amor desbotado e sobre a eterna solidão, “única”, em cada um de nós, essa, que aparece no escuro e no silencio. Algumas pessoas fogem desta situação, como o “diabo da cruz”, não se permite um minuto de silencio, estão sempre atrás de distrações, brinquedos novos e pessoas que não lhes ameacem psicologicamente.

O que acontece com o cérebro ficando só por vários dia..., o que se revela o que acontece quando o cérebro cansa de pensar asneiras, o que acontece quando a noite chega e as sombras sem de dentro de você e ficam na sua frente te olhando cara a cara, hálito no hálito... O que sobra. Você já tocou na sua solidão, não na solidão de se estar sozinho, mas na solidão da sua unidade, quando os diferentes níveis de pensamentos e percebimentos se revelam, quando os diferentes níveis de consciência se revelam, quando você tem suas primeiras experiências de insight, quando os primeiros saltos quânticos acontecem dentro de sua cabeça, quando você se “expõe” e se livra das “coisas’, que te dão segurança e identidade... você ta preparado para quando a sua alma se sobressair a tudo e sentar do teu lado, te dando um tapinha nas costas e te perguntando, (sem cuspe):__... e daí mano!... certo!


"Tem coisas, que para entender, vc tem que se expor e apreender a abdicar"

São essas situações que me mostram claramente o porquê muitas pessoas preferem o montanhismo verbal, teórico e publicitário (marqueteiro), do que a pratica propriamente dita e sem falar, é lógico que escalar montanhas é que é caro, putamente trabalhoso e que mesmo acompanhado, a ponta da corda é um lugar solitário e muito perigoso. Ficar na frente de um computador ou num boteco falando de escaladas e montanhas, enquanto enche a “pança ou de comida e cerva”, pra mim, é como falar de sexo e não comer ninguém e o pior, nem ser comido, (mas como vocês sabem, tarados existem).

Por outro lado, é interessantíssimo, quando o interesse em comum, é interessante e interessa a ponto de causar interesse, interessando as pessoas interessadas neste interessante assunto, né!...Ou melhor... Quero dizer... Impressionante como o montanhismo e a escalada excitam as pessoas de um modo em geral. Me cativa saber que a atividade que rege minha vida a mais de 40 anos alucina as pessoas a ponto de elas inventarem historias para se parecer um de nós, andam fantasiados, fazem caras e bocas e narizes e têm uns que são os maiores “cara dura,” tremendos “cara de pau”! Conheço pessoas que passaram 40, 50 anos embaixo do Marumbi, brincando de casinha e hoje se outorga o titulo de montanhista,... é ruim!?.

Hoje todo mundo fala de escaladas e montanhas, donas de casa, corretor, bicicletero, dono de quitanda, policia, psicólogos, a oitava namorada, o cunhado, o amigo do irmão do cunhado, o que chegou atrasado e todo o tipo de agregados, etc. alguns são até representantes, (não sei do que e quem, mas representam), teve ate um intelectual que falou na TV que não consegue entender uma pessoa que sobe montanhas, (o pior é que eu o entendo e seu mundico pré fabricado); soube ate, que no sul tem um cara tentando se eleger, para presidente das três Américas Unidas e para presidente interino da CGAMUUI( Confederação Galáctica das Associações de Montanhismo do Universo Universal Infinito ) para arrumar uma teta do estado para resolver sua situação econômica, usando o montanhismo como discurso,... fala serio!.. Não é uma puta atividade esse troço de subir montanhas e escalar, Uau! Muito loco o negócinho, é como eu já falei, tem cara que fica com ereção vendo revista de montanhismo e escalada, bom... eu nunca vi, nem quero ver, ...mas que tem, tem.

Adoro olhar de perto essas pessoas importantes, nos seus títulos,... bem de pertinho, eles são engraçados, da para perceber seus medos e aflições, suas inseguranças e suas reais intenções, Quando vejo uma pessoa dessas, a primeira imagem que vem na minha cabeça é de imaginá-los cagando pela manhã, pronto, imediatamente o ser verdadeiro aparece na minha frente e fica fácil de entender as necessidades da criaturinha que esta na sua frente.

Mentira... to brincando... o montanhismo e a escalada são atividades que nos melhora e nos esculpe, para que possamos desfrutar da existência de forma real e harmônica, para que possamos nos livrar da doença do patrão, da escravidão do mecanismo interminável das prestações e carnês, para que possamos educar nossas crianças para que elas não sejam pagadores de contas da escravidão, nem funcionários do inútil, que água é melhor que coca cola e que cloro faz mal, flúor também e que estão nos roubando esse tesouro natural e que é para nós um direito natural, que deveria chegar “de grátis e limpa” em nossas casas, simplesmente porque é obrigação do Estado, em fim, Montanhismo é isso aí!

Sei que é difícil abandonar o desejo de ter uma caixa decorada com tanto esforço e privação, para depois ir morar dentro, ou abdicar do emprego que vai roubar tua juventude, ou da grana que te da segurança perante as coisas e as pessoas, não é fácil sair da Matrix, a cama foi bem feita, mas um dia você vai ter que relaxar, provavelmente será na velhice quando a palavra “esperança” não ligue a sua raiz com a palavra “esperar”, quando a solidão se torne sua companheira, por não ter outra opção.

Estar sozinho, escalar em solitário, estar na montanha, só; mais que nunca é preciso ter “ânimo” e também conhecer os segredos desta palavra e ir alem dela... (animar, anima, animação, animado, anime etc.). A escalada em solitário é um momento pessoal que nasce da maturidade e não da aventura, não é uma condição, é uma opção, é um dialogo interno... bom...é quase isso; só sei que, enfrentar a si próprio te torna destemido.

Vejam vcs; "JC da Galiléia" gostava de dar umas bandas sozinho nas montanhas.( O mano, sabia)


Um dia um escalador de Curitiba me escreveu pedindo dicas sobre escaladas em solitário, que fazia um tempo que estava sem escalar, que tinha família e que estava voltando a escalar; senti um frio na espinha ao ler o email e respondi, entre outras coisas, que a escalada em solitário era “o momento se de usar a sua experiência excedente”; acabei não recebendo resposta do email, coisa que eu já esperava.

As pessoas esquecem que em 45 anos de pratica de uma atividade as coisas se repetem as pessoas se repetem... Ha uma coisa sobre a “Maestria” que as pessoas não sabem, ela não pertence a ninguém e nem tem um método para se tornar mestre em algo, é algo que acontece a algumas pessoas por causa de certas condições que espontaneamente se criaram, é como pegar alguns metais diferentes e colocar numa bagaça e colocar fogo embaixo da bagaça, alguns metais vão se tornar liquido, em tempos diferentes e em algum momento vão se fundir, assim é com a maestria, um dia a coisa funde e se manifesta através de você, não é você. É por isso que um mestre não se reconhece como tal, são as pessoas que percebem a manifestação da maestria. Levei muito tempo para entender o porquê, para um mestre, o elogio e o descaso para com ele, não tinha relevância nenhuma; porque ambas vem da mesma fonte. É por isso que um mestre anda “arquejante”, a procura de originalidade. Mas na real a coisa é bem simples, o universo do montanhismo e da escalada é o mesmo do jardineiro, padeiro e borracheiro, consiste em fazer com o coração, ter o tempo como catalisador.

Bom...acho que viajei... desculpa aí, foi mau!...o que eu queria mesmo é contar que o Baúzão, tem umas 20 vias novas, (ainda não contei) e que abri umas vias em solitário. Colocarei as informações pra vocês no meu blog, a cada semana. Vou manter uma foto aonde irei desenhando as vias e assim que puder coloco os croquis. Para informações e betas adiantadas é só me escrever ou telefonar. Será um prazer passar as informações.
Bito Meyer
São Bento do Sapucaí, 08 10 10

“Você ri porque eu penso diferente... eu rio porque você pensa como todo mundo.”

OBS. Já ia me esquecendo,... a bagaça tem que ser de qualidade, senão ela derrete antes dos metais....Sorte manos!!!!

OBS 2. Achei um monte de erros no texto, mas não sei consertar, fica assim!