sexta-feira, 31 de julho de 2009

EDITORIAL(I)



EU TAVA QUIETO...
Existem vários motivos que me levaram a montar este blog. Os amigos e pessoas queridas me pediram para "começar" esse espaço e falar do que eu faço e de como eu faço e contar um pouco da minha vida como montanhista, que na realidade, é praticamente toda minha vida.
Certos acontecimentos recentes, engraçados e patéticos , também me incentivaram a sair de meu relacionamento sossegado e íntimo com as montanhas e escaladas e falar diretamente, enquanto for possível, com as pessoas realmente interessadas em montanhismo e escaladas e que procuram fazer destas atividades algo além dessas necessidades vulgares que vemos por aí como grana, fama, e histórias mal contadas.
Hoje em dia com a internet é possivel para “qualquer um” colocar um blog ou site e falar sobre montanhismo e escalada, mesmo para os que não sabem o que uma coisa tem a ver com a outra, e até mesmo sem praticar, uma coisa ou outra. Outro dia eu vi uma foto de uma pessoa que se auto denomina montanhista e fiquei pensando na "puta" sacanagem com quem realmente se relaciona com montanhas e esta quieto em casa; nós que somos realmente montanhistas, sabemos que muitas pessoas que se intitulam montanhistas, estão distante de ser um e muito menos tem cumes no seu currículo, e que escalou muito pouco para ser o que outorga a si próprio, como títulos de "o maior , o super , o mais" e etc. Esse tipo de necessidade e títulos, faz com que nós, que realmente fazemos, somos e praticamos montanhismo, sejamos elevados a nível de "deuses" (ja que o nosso currículo é maior, mais reachedo de verdades, sacrificios e dedicação, que essas pessoas) e nós não queremos esses títulos, não precisamos deles, pelo menos eu e meus amigos. Esse tipo de manifestação é uma necessidade de quem tem problema de adptação, de ego estragado ou complexo de inferioridade, sentindo-se assim, mais forte , superior , inteligente e "bunitinho" ou até coisas mais "normais" como ter amigos, ser querido e pertencer a uma tribo e para algumas pessoas não precisa nem render um "troquinho", só um espacinho já tá bom. Não adianta ficarem "brabos" e "sapatear em cima da cueca", eu sei do que to falando.
O montanhismo e escaladas é uma atividade perigosa e é praticada na ponta da corda e existem pessoas que gostariam de ser "um montanhista", mas como é uma atividade perigosa, praticam um "faz de contas" e passam a acreditar que realmente o são e com isso dane-se o montanhismo; é como um "cliente 8000" que vende excursão por expedição. Também faço uso da velha frase que e´:-"É lógico que não tô falando de todo mundo"; mas é muito fácil ver esse tipo de manifestação, basta olhar ao seu redor.
Fama ...fama...superioridade.....grannnna...huauuuu!!!!!!...conheço pessoas que tem ereção com este assunto...
Pois bem, com um computador na mão, até um cérebro musculoso, cheio de testosterona, mas que tem medo de altura, pode falar em montanhismo e escalada, então vou me atrever a falar...um pouquinho.
Este blog conta com a colaboração e trabalho de várias pessoas, de vários estados e levaremos um tempo para organizar e sincronizar tudo, os erros serão corrigidos assim que pudermos. Com tempo e com as observações de todos, iremos atualizando, corrigindo e acrescentando novos relatos e acontecimentos ao blog; assim como irei comentando cada fato, foto e momento que cada matéria retrata, iremos tambem, pesquisar sobre o montanhismo e escalada em geral e “digitalizar” as matérias antigas que contam a história do montanhismo por aqui e "por lá" e que contribuem para melhor entender essa paixão que temos em comum.
Confesso que esse trabalho a frente de um computador é mais fácil que escalar e digo isso porque um blog é como um papel em branco que aceita tudo e é muito fácil criar uma realidade somente “virtual”, sem tirar a bunda da cadeira e colocá-la na reta, já que atividades e manifestações humanas que requerem “atitude e determinação”(qualidades básicas para um montanhista e escalador) sempre tem os dois lados da moeda e o risco envolvido na “parada”, tem seu peso. .
Nunca tive nada organizado, nem minhas fotos e nem as matérias que publicaram a meu respeito e nunca precisei dessas "coisas" para escalar minhas montanhas, por outro lado será divertido brincar de "personalidade"
Desde já quero agradecer aos amigos que tem colaborado, mandando fotos, reportagens e pela ajuda para montar esse blog, assim, pretendemos atualizar esse blog com frequência e aceitamos sugestões e material e quanto aos erros que possam existir, serão corrigidos assim que localizados.
A montagem deste blog revela na realidade, o carinho que as pessoas tem com relação ao montanhismo, atividade essa que nos une em algo em comum. Meu agradecimento especial a Karina Filgueiras minha companheira de corda.

Aprendendo a ser um Montanhista
Foi durante uma viagem de trem com meus primos, para Paranaguá, no litoral do Paraná, que eu vi o Pico do Marumbi e ouvi falar dele pela primeira vez. Pra minha sorte o tempo estava limpo na região e pude vê-lo e na imaginação de uma criança era fácil imaginar-me escalando-o. Eu já era escoteiro e conhecia algumas manobras de cordas e também conhecia o montanhismo clássico dos livros sobre atividades ao ar livre que tínhamos na biblioteca do nosso grupo de escoteiros, que era numa igreja Mórmon, no Alegrete, a cidade mais tradicionalista do Rio Grande do Sul.
Em 1970 voltei ao Marumbi, com uma “excursão do colégio”(foi o que eu contei para meus pais), a intenção era subir o "Pico Olimpo" que era o mais alto e acabamos, por não o conhecer a região, escalando o Pico do Abrolhos. Frustrado pois queria subir o mais alto, voltei alguns meses depois para subir finalmente o Olimpo, mas erramos novamente e acabamos escalando o Pico do Gigante e somente na terceira tentativa, subindo a trilha conhecida como "Noroeste" e que passa por outros cumes, como:_a Esfinge, Ponta do Tigre e Torre dos Sinos e finalmente o "Olimpo". No cume do Olimpo, encontramos uma pessoa que nos informou que o Olimpo não era a maior montanha do conjunto.

Aprendi a escalar sozinho e antes de completar 15anos eu ja havia escalado as principais escaladas do Marumbi e tambem já ensinava e guiava muitas pessoas. Por anos a fio fabriquei a maioria de meus equipamentos, criei clubes e associações de montanhismo e escalada e guiei e ensinei todas as gerações de escaladores e montanhistas que surgiram nestes anos de forma direta e indireta. Hoje estou com 52 anos de muitas montanhas, escaladas e rock and roll e até hoje a razão de eu acordar são as montanhas e as escaladas e como nos primeiros anos, abro vias constantemente e estou constantemente na montanha ou voltando para elas; não parei nem um instante ,apezar de alguns "pseudos" terem apostado que eu jamais voltaria a escalar depois de meu acidente.
Escalo como qualquer “fera” e com qualquer "fera", bom, é fato que com 52 anos e com um joelho rígido e pouca disciplina para exercitar, posso deixar de fazer alguma coisa, assim como tambem é fato que poucos feras tem a liberdade de solar as vias que solo. Existe uma enorme diferença entre saber escalar e ser forte, assim como entre ser forte e saber lutar.

Nestes anos todos o meu relacionamento com as montanhas e seu universo, foi mais além do fato de eu me transformar em um "esportista" ou um Marumbinista, eu queria ser um montanhista como aqueles que eu via nas fotos preto e branco, nos raros e velhos livros que chegavam em minhas mãos quando percebi que as montanhas existiam e que me apaixonei por elas e elas estavam espalhadas por ai.
Na realidade essa relação me mostrou uma nova “química” em relação a vida, uma maneira diferente de existir, sem ser aquela de ter varios casamentos, carnês, prestações e preso ao exercício de "vir a ser" e de aproveitar os finais de semanas para viver.O que surgia na minha frente era uma possibilidade além das “coisas comuns”, era algo que estava além dos ensinamentos da escola, dos pais e da igreja, era uma relação direta com um universo mágico, além desse “cotidiano comum” com relação a vida e suas “coisas” e que assassina qualquer paixão e originalidade. Era uma oportunidade de ir "alem". Acho que ja falei isso...

Frente a essa realidade e em uma época em que não havia futuro, pois vivíamos em uma época onde as diferenças políticas separavam as pessoas, eu optei por ser um montanhista, como “personagem”, neste curto período de consciência que é a vida e através desta analogia me relacionar com a existência(existem vários personagens que você pode assumir como seu, nesta brincadeira de descobrir o que é ser "isso" e antes de morrer).
Nos anos 70 o montanhismo era coisa pra maluco e confesso que na época era preciso uma certa coragem e decidir ser um montanhista; era como eu já disse uma vez: _”é como estar na beira de um rio caudaloso, dentro de uma poça de água morna, confortável e protegido, sair dela e pular no rio e seguir com ele”.

Sou um montanhista e tudo que faço e treino são para utilisar em montanhas, mas confesso que uso a escalada como um "exercicio nobre" e sempre valorizei ao escalada natural e o solo, manifestações da “Arte do Movimento na Vertical”, nome que batizei essas atividades, para meu próprio deleite e da qual sou um eterno aprendiz ; também me divirto muito pelos big walls da vida(deliciosa engenharia), mas sempre me relacionei com meu equipamento, como um mecânico ou um arqueiro, se relacionam com os seus, com profunda paixão e intimidade, para que sejam a extensão do meu corpo e uma expressão de minha inteligência. Nunca carreguei meu equipamento na mochila, como sinônimo e garantia de minha coragem e nunca baixei uma montanha ou via até meu nível, para que pudesse "fazê-la", fiz por merecer cada uma delas e tenho como predicado minhas cicatrizes e surras que ganhei cada vez que verdadeiramente e diretamente me relacionei com o lado de fora e a ponta da corda e com a minha sincera intenção de ser um montanhista e de aprender e tento até hoje, ser merecedor desta maravilhosa manifestação, dessa arte que tanto me fascina.

Voltando ao Marumbi, mantive em segredo minhas idas ao Marumbi, de meus pais, até quando no inicio de 1974 eu tive um acidente de rapel e não foi mais possível esconder deles minha atividade, que eu chamava de “excursão do colégio”. Pra minha surpresa meu pai me ajudou a comprar meu primeiro equipamento, que na época, não passava de uma corda de nylon de 30 mts, mochila, kichute e um par de joelheiras de futebol para usar nas chaminés e fendas. A partir daquele momento, com o consentimento dos meus pais, eu me tornei um montanhista; eu tinha 15 anos. A partir daí, toda minha vida aconteceu do lado de fora, no meio da chuva, vento, sol e frio, exatamente como eu escolhi.

É verdade que o montanhismo e a escalada de hoje é um retrato do homem moderno e existem muito mais razões “palpáveis e justificáveis” para tornar-se um montanhista ou um escalador, do que tínhamos 40 anos atrás. Hoje existe todo o tipo de sedução e “vantagens” diretas e econômicas, que vão desde alguns “trocados e notoriedade" a um cargo de “confiança” em alguma pocilga. (Isso faz com que algumas pessoas tentem se parecer com “um de nós”).

Mesmo com todos os "Piolhos e Satelites"(Nome de uma nova via que abri com karina(8+),por aí, existe "algo" que não muda na prática do montanhismo, que é tirar as pessoas de dentro de suas casas e colocá-las do lado de fora, em situações em que faltam argumentos para o seu cérebro agir de maneira vulgar e ele então não encontra explicações "vulgares"para as coisas que se revelam na sua frente, então ele se cala e neste momento surge algo novo e original, e assim começa a paixão pelas montanhas e voce nunca mais volta pra casa..."só passa la para pegar uns treco"
Junto com o "novo" vem também um "entendimento", além da "Matrix", para os verbos “ser e existir” e uma nova relação com a vida nasce neste momento. Sei que assim falando, parece algo mágico e realmente é...você dá uma chance a sua alma e seu cérebro fica quieto ...sem ação...e nasce algo ‘novo”... é um “negócio maluco” e que eu faria tudo de novo.

Bito Meyer, Montanhista