terça-feira, 30 de junho de 2009

DISTRÁIDOS VENCEREMOS FACE NORTE BAÚ


REVIRANDO MEUS ARQUIVOS ENCONTREI UM ANTIGO EXEMPLAR DO MOUNTAIN VOICES DO ANO DE 1992.

Fato histórico que relembra as origens de escaladas importantes da região, numa época aonde não havia ainda a internet de hoje, que felizmente nos dá mais e melhores opções de registro e pesquisa.

Prestem especial atenção na parte em que os autores descrevem a participação dos escaladores na via, e tenham boas surpresas...notem como alguns fatos são distorcidos com o passar dos tempos.

Vejam abaixo a reprodução na íntegra da matéria, boa leitura!


MOUNTAIN VOICES ANO III NÚMERO 13 SET/OUT 1992 Cr$8.000,00
FACE NORTE DA PEDRA DO BAU - O PROJETO TKTS

A conquista da via "Distraídos Vence­remos" na face Norte da Pedra do Baú, em São Bento do Sapucaí (São Paulo) é sem dúvida uma das principais vias de es­calada em rocha abertas recentemente no pa ís, podendo ser considerada a principal via deste' conjunto montanhoso, sendo seus protagonistas, Bito Meyer e Edson Struminski (Du Bois), de Curitiba, Eliseu Frechou, atualmente morando em São Bento e José Luiz Pauletto, de São Paulo.
Por outro lado, pela cobertura jornalís­tica que recebeu, acabou tornando-se o evento montanhístico do ano.

Aspectos da via
A "Distraídos Venceremos" desenvol­ve-se no trecho mais extenso de rocha exposta da Pedra do Baú, na face voltada para São Bento, intercalando nas 3 e 4 corda­das iniciais, rampas de aderência ou agar­ras, com pequenas fissuras, diedros ou fendas de mão, que foram percorrido em escalada natural, sendo a proteção feita com equipamento móvel (friends grandes e nuts também grandes), 3 paradas (finais de cordada) foram feitas originalmente em móvel ou em proteção natural (árvo­re) e uma parada em chapeletas. A difi­culdade máxima encontrada neste trecho está em torno do 5° grau.
A cerca de 120 metros do chão insta­lou-se em bivaque para pernoite que foi mantido até o final da conquista, em pla­tôs de vegetação secundária (capim) e que serviu de ponto de partida no ataque à parte mais difícil da escalada, um trecho vertical que na maior parte é negativo e que consumiu os dias restantes da con­quista. Procurou-se evitar nesta parte o uso desnecessário de proteções fixas na pedra, algo que a ética moderna de mon­tanha classifica como "escalada limpa". Um pequeno trecho em artifical fixo (re­bites), foi aberto com o auxílio de uma furadeira elétrica, permitindo economia de tempo e do desgaste natural que ocor­reia se o mesmo trecho tivesse de ser aber­to no martelo. Nos cerca de 90 m deste trecho encontrou-se nesta primeira as­cenção dificuldades naturais de até 7° grau, e artificiais de A2 a A3.

Toda esta parte da escalada, com colo­ração avermelhada característica, apresentou grandes problemas aos escaladores em vista da descamação da rocha na forma de placas que iam desde pequenas agarras até platôs inteiros com dezenas de quilos, apresentando possibilidade de queda imi­nente para o guia e bombardeio garantido a quem ficasse abaixo.
A uns 20 m do cume a parede volta a apresentar-se mais simpática, com fissuras que permitiram o uso de material móvel, além de surgir um belíssimo platô (platô do anoitecer). A dificuldade desta passa­gem, em torno de 5° grau, pode aumentar no caso de umidade (neblina, chuva), co­mo ocorreu durante os dias de escalada.
Personagens
Outros acontecimentos e pessoas tive­ram destaque nesta história e por isso me­recem ser citados.
• O acidente com Elizabeth B. Frechou: este acidente ocorreu durante algumas to­madas para o programa Fantátisco da Rede Globo, após os repórteres pedirem ao es­calador Pauletto para puxar um saco de lona com equipo que iria ser usado na es­calada. Depois desta cena Pauletto prosse­guiu no reboque do saco enquanto o pes­soal abaixo se organizava para nova to­mada. 15 metros acima o saco engatou em uma grande pedra que soltou-se após pressão para liberar o reboque, atingindo Elisabeth. Rapidamente organizou-se o atendimento e evasão do local, enquanto pessoas desciam até São Bento em busca de socorro médico. Os repórteres da Glo­bo acabaram entrando na roda e dividi­ram o trabalho de remover Beth até a ambulância, que já havia chegado nesta al­tura. O resgate foi bem sucedido e Beth já se encontra em recuperação no momento em que este texto é escrito, apesar de 8 costeias quebradas. No momento do aci­dente, cerca de 12 pessoas encontravam-se na base da parede, além de equipo de escalada, material fotográfico, de vídeo, etc. O saco de reboque acabou parcial­mente destruído.
• A idéia de que a equipe do Baú preten­de escalar o Everest em 93: trata-se de uma pretensão até o momento apenas de Pauletto, que apresentou-se na imprensa como "o mais experiente dos 4 alpinistas que escalaram a Pedra do Baú" e chefe da expedição "Everest 93", os demais escala- . dores que participaram do evento tem, como é natural, inúmeros projetos dentro do montanhismo,. abstendo-se porém de divulgá-Ios, em respeito ao próprio even­to em si.

• Personagens fantasmas: ectoplasmas que estão em moda na crônica recente de nosso país e que apareceram também na escalada do Baú.
1. O "Japonês Taradão": conhecido es­calador paulista que logo que soube da realização da via apressou-se em aparecer em São Bento, exigindo um croqui da via, para repetí-la imediatamente.
2. O "espeleólogo trapalhão": explo­rador de cavernas e fotógrafo free-Iancer que cobria a escalada para uma revista de aventura e esportes de ação, este simpáti­co e prestativo personagem, acabou no entanto vrtima de um descuido durante uma descida noturna, causando um aci­dente e destruindo parte do seu equipo fotográfico.
3. Piton e Nut: vira-latas de Eliseu Fre­chou: pulavam em cima de todos os re­pórteres que apareceram em São Bento.
• Croqui da via: foi apresentado pelo es­calador Pauletto um croqui da via em um jornal paulista, com incorreções e deno­minações inexistentes. O croqui ilustrati­vo apresentado nesta matéria pode ser considerado o mais exato. Croquis téc­nicos podem ser solicitados aos demais es­caladores.


· A participação dos escaladores na via:

1. Eliseu Frechou: organizador do evento, contatando escaladores, profissio­nais da imprensa, patrocinadores e pessoal de apoio. Participou de 2 bivaques (per­noites) na parede, auxiliou nas tarefas de reboque do equipo, trabalhos fotografi­cos, conquistando cerca de 10 metros em escalada natural no trecho mais difícil da escalada, colocando uma - proteção fixa (rebite).

2. Edson Struminski (Du Bois). Abriu 3 cordadas cerca de 120 m em natural com equipo móvel no trecho inicial da escalada, um pequeno trecho em natural na parte mais difícil da parede, com uma proteção fixa e os 20 m finais da via também em móvel, participou de todos os biva­ques feitos na parede e realizou as tarefas comuns aos demais do grupo.

3. José Luiz Pauletto: também partici­pou das atividades gerais do grupo. Abriu a primeira cordada (cerca de 25 m) em natural, móvel da via, fixando 2 rebites ao final do trecho, 5 metros na segunda parte da escalada, com um rebite colocando ainda 4 rebites fixos em uma parada anteriormente feita em móvel por Du Bois. Participou de alguns bivaques na pa­rede, retirando-se durante a escalada pa­pra prestar declarações em jornais de São Paulo e emissores de TV voltando poste­riormente para a conclusão da via.


4. Bito Meyer: realizou como todos, as tarefas gerais do grupo, permaneceu em todos os bivaques necessários para a conclusão da via. Abriu os cerca de 90 me­tros mais difíceis e delicados da parede em escalada artificial móvel e fixo e natu­ral móvel e fixo.

O nome "Distraídos Venceremos" é uma homenagem a leveza de espírito do poeta paranaense de alma universal Paulo Leminski; um estudioso da filosofia orien­tal Zen, a qual possui muitos pontos em comum com o despojamento necessário para a realização de escaladas difíceis. Le­minski escreveu entre outros um livro de poemas com o título dado ao nome desta escalada e que vale a pena ser lido.
Bito Meyer, PR Eliseu Frechou, SP

Considerações
Como acontece nos bons filmes, a via "Distraídos Venceremos" acabou sendo um sucesso de público e de critica. A im­prensa preencheu suas necessidades de as­suntos interessantes para os seus consumidores, o patrocinador, a empresa de confecção TKTS teve amplo e variado retorno para os dólares investidos no evento, declarando-se plenamente satisfeita com o trabalho profissional os se a res; a população de São Bento sentiu-se li­sonjeada com a divulgação da cidade, retribuindo isto de forma carinhosa e hos­pitaleira e, finalmente, os montanhistas em geral acabaram recebendo uma nova via de escalada que, se não é a "melhor" ou coisa parecida do Brasil, certamente exigirá conhecimentos e experiência, brin­dando em troca aos escaladores que fo­rem repetí-la momentos de puro prazer no exercício da moderna técnica de esca­lada em rocha.

NOVAS VIAS "O ARCO DO BAÚ (A2+ 7° E4 60m)" E "SUAVE DESESPERO(A2 6°sup E3 50m)"

O ARCO DO BAÚ (A2+ 7° E4 60m)

Conquistadores: Bito Meyer, Karina Filgueiras, Máximo Kausch

Toda vez que me deparo de frente para a Pedra do Baú, fico impressionada com sua beleza e imponência, no alto da colina reinando sobre a cidade. Como escaladora tenho ainda uma relação mais intensa e próxima com o Baú, pois foi o local aonde aprendi a escalar nos idos de 1989 e desde então freqüento e escalo assiduamente. Naquela época ainda não existiam as estradas asfaltadas que dão acesso ao Bauzinho e Ana Chata, e escalar ali ou mesmo subir pelas escadinhas era uma tremenda aventura, a começar por caminhar os 18km até o Bauzinho ou quando conseguíamos um carro, subir com ele por estradinhas de terra esburacadas. Durante estes 20 anos em que freqüento o local, muita coisa mudou, hoje as estradas são asfaltadas, o número de turistas aumentou, assim como o de montanhistas e escaladores e cada vez mais a região é reconhecida por seu potencial esportivo junto a natureza e o que não mudou é a sua beleza e imponência.
O desenho do Baú, assim como as nuances da sua formação rochosa é fascinante e nos presenteia com intinerários surprendentes e variados e pra nós que escalamos e gostamos de abrir vias o desafio é constante.

Sempre que eu olhava para a face norte do Baú, via a formação do “Arco do Baú”, bastante pronunciado e e com seu teto no sentido longitudinal da rocha, e me pegava pensando que, “ali era um desenho natural de uma via de escalada”.

e enquanto os cães ladram.....

Há alguns meses atrás conversando com o Bito, sugeri que fizéssemos ali uma via pegando todo o desenho do Arco, e que por sinal eu já havia visto o seu final de perto, quando estava conquistando a “Cães e Caravanas” ano passado. O Bito já conhecia a entrada de via, pois ele já tinha visto-a na conquista da Distraído Venceremos. Pronto a idéia estava lançada!
Arrumamos as tralhas, aproveitamos que o Bito iria dar um curso Avançado e já teria que levar as “toneladas” de equipo lá pra cima e assim demos início a abertura desta nova rota.

Tivemos a oportunidade de compatilhar com o Maximo Kausch, que é um montanhista apaixonado pelas altas montanhas, vários dias de bivac conversando sobre o Himalaia e suas expedições e dos seus “bastidores” e ele nos contou sobre deste universo, que é tão distante, que são os Himalaias terminamos o curso com a conquista do Arco do Baú.
A via é composta de 2 cordadas, sendo que a primeira o Bito entra guiando, misturando escalada natural com artificial num terreno de pedra quebradiça, talvez um A2 6° de aprox. 35m e este largo sai todo com proteções móveis, num diedro invertido, feio e com pés em cascas e lacas podres, o Bito com maestria, que somente seus 40 anos de ponta de corda permitem, termina esta cordada sem bater um único grampo a não ser a parada dupla.
Segue então para a segunda cordada, que é uma escalada em livre de 7° de aprox. 30m com pouca opção de proteção móvel e sem nenhum grampo, um possível E4. Perfeitamente escalável para escaladores experientes e acostumados a escaladas de parede e exposição, No dia Bito completa o largo sem colocar nenhuma proteção .

O Arco do Baú, é uma via fascinante, linda e exposta, bastante aérea e com passagens bastante técnicas e exigentes.
Pode ser acessada de duas maneiras, a partir da segunda cordada da Distraídos Venceremos, saindo para a direita, é preciso estar atento pois não há grampos e toma-se a linha óbvia de um diedro diagonal ou no sentido inverso acessando pela Cães e Caravanas, da base do teto, na ultima parada da via “Bito Meyer”


SUAVE DESESPERO(A2 6°sup E3)

Conquistadores: Karina Filgueiras e Bito Meyer

Depois de finalizada a escalada do Arco do Baú achamos que deveríamos fazer mais uma saída pelo magnífico teto que estava acima de nossas cabeças desta forma o Arco do Baú teria uma saída exclusiva.
Bom...lá fomos nós outra vez, juntamos de novo todas as “tralhas”, desta vez também o porta ledge duplo e fomos no feriado de 1 de maio para a parede, jumareamos a noite por uma corda que deixamos preparada para chegarmos no final do “Arco”,para na manhã do dia seguinte já estarmos na base do início da via e com o porta ledge montado.
Agora era minha vez, saio guiando pelas lacas podres, saindo a esquerda da Cães, depois de um pequeno trecho já percebo que será impossível prosseguir com escalada em livre e prossigo em “ artificial”. A parede é bastante descomposta e com muita pedra podre mas com cuidado eu conseguia encontrar boas colocações para Cliffs de agarra e em algumas situações tive que fazer furos para Cliff. A via prossegue desta forma até que consigo sair do negativo que forçava minhas costas, quando eu tinha que trabalhar com as mãos levantadas e entro na parte vertical da parede.
A partir daí, a escalada volta a ser uma parede mais sólida e consigo voltar a escalar em livre e a seqüência a seguir é de pequenas agarras e abaolados, de pés delicados. Sigo aprox.10m e chego a um platô transversal onde bato a primeira parada.
Este platôzinho éra uma surpresa agradável, pois de baixo não o víamos e era perfeito para ficar em pé e trabalhar

A próxima sequência é toda em escalada livre, saio para a esquerda nesta transversal e depois a parede vai tornando-se vertical novamente e com boas agarras sigo por mais uns 8m e a parede, já quase no cume, deita e torna-se mais fácil; chego a um grande bloco de pedra, já no cume, aonde monto uma excelente para móvel com 3 peças “bomba”. Depois desta parte segue uma rampa fácil de 3 grau que vai em direção a vegetação do cume.

“Enquanto eu tava ali dependurada enfrentando meus “demônios”, antes mesmo de terminar a via eu já estava pensando qual seria meu novo itinerário.”



Rappel: de nenhuma das vias é possível rapelar, deverá sair para o cume e de lá descer pelas escadinhas.

Em breve estaremos disponibilizando os croquis no http://www.brasilvertical.com.br/